Os ‘microtrabalhos’ exaustivos na internet que atraem mulheres com promessa de renda sem sair de casa: ‘Se não bato meta, espero o dia virar e recomeço’
O dia a dia de uma microtrabalhadora
Flávia, mãe solo de três filhos, trabalha cerca de 14 horas diárias em plataformas digitais como PiniOn e Kwai, realizando tarefas como avaliações de aplicativos e visualização de vídeos. Após um mês de trabalho, cerca de 420 horas, ela consegue pouco menos de R$ 700,00 para sustentar cinco pessoas. Para aumentar a renda, ela também trabalha para a Shopee, compartilhando links de produtos e ganhando comissão por vendas.
Seu trabalho é exaustivo e afeta sua saúde. Os olhos ardem, os ombros queimam e ela precisa improvisar estratégias para driblar o cansaço, como assistir vídeos deitada na cama.
As plataformas PiniOn, Kwai e Shopee responderam à reportagem, afirmando que os usuários participam voluntariamente e que não incentivam jornadas excessivas.
Microtrabalho no Brasil: um mercado majoritariamente feminino
Mulheres representam 63% da mão de obra em microtrabalhos no Brasil, segundo estudo do LATRAPS (UEMG). A pesquisa aponta que a informalidade e a dificuldade em encontrar emprego formal contribuem para atrair mulheres para esse tipo de trabalho, especialmente mães ou responsáveis por outros familiares.
O estudo destaca que, embora muitas mulheres possuam formação superior, elas não encontram oportunidades de trabalho na sua região. O maior benefício apontado por elas é a suposta conciliação entre o trabalho digital e os cuidados familiares.
O trabalho, porém, gera impactos negativos à saúde física e psicológica, com queixas de isolamento, falta de sentido e ansiedade.
Homens e mulheres interagem de forma diferente com as plataformas. Enquanto os homens tendem a acessar menos vezes, permanecendo conectados por longos períodos, as mulheres acessam mais vezes ao longo do dia, em sessões curtas e fragmentadas, aproveitando os intervalos entre os cuidados domésticos.
A experiência de Juliana: uma promessa enganosa
Juliana, desempregada há seis meses, encontrou uma oferta em um grupo do Telegram: curtir postagens do Magazine Luiza em troca de R$ 5,00 a R$ 10,00 por curtida. Atualmente, ela trabalha quase o dia inteiro, das 9h às 21h, e utiliza o dinheiro para ajudar nas despesas de casa.
O Magazine Luiza negou qualquer envolvimento com a oferta, classificando-a como um golpe.
A visão de especialistas: precariedade e desigualdade
Especialistas apontam que o microtrabalho não contribui para o desenvolvimento de novas habilidades e que a maior participação das mulheres nesse tipo de trabalho não se repete em cargos de maior remuneração e prestígio em grandes empresas de tecnologia.
Luiza Corrêa de Magalhães Dutra, pesquisadora da PUC-RS, destaca a ausência de consideração do marcador de gênero em políticas públicas e nas big techs, o que contribui para a reprodução da precariedade e da violência contra as mulheres no ambiente digital.
Para muitas mulheres, o microtrabalho representa a perpetuação da precariedade e não uma emancipação.
A falta de regulamentação e proteção legal
O microtrabalho não é contemplado pelas leis trabalhistas brasileiras, nem de outros países. Embora existam iniciativas de regulamentação na Europa, no Brasil ainda há desafios, como a ausência de sede física ou representação judicial de muitas plataformas no país.
O procurador Renan Kalil, do Insper, destaca a vulnerabilidade dos microtrabalhadores, que são invisíveis e estão expostos a condições de trabalho precárias.
Um processo judicial contra a Ixia Gerenciamento de Negócios, que contratava trabalhadores para corrigir erros de robôs de atendimento, resultou na condenação da empresa por reconhecer vínculo empregatício e pagar indenização por danos morais.
Luiza Dutra ressalta que, por trás da tecnologia, existe um ser humano, e que a criação tecnológica não é neutra, refletindo as desigualdades sociais e de gênero.
Fonte
Publicado originalmente em: 8 de junho de 2025 às 3:02 AM
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Análise e Impactos Financeiros
A reportagem revela impactos financeiros significativos. A baixa remuneração, abaixo do salário mínimo, após longas jornadas, demonstra precariedade financeira. Os custos com internet e energia não são considerados, agravando a situação. O custo de oportunidade, considerando os riscos à saúde, é alto. A precariedade do microtrabalho impacta o mercado e a economia, reduzindo o consumo e afetando investimentos. A prevalência feminina destaca a desigualdade de gênero no mercado de trabalho, com consequências para a produtividade e o crescimento econômico a longo prazo.
Resumo
Mulheres no Brasil recorrem a microtrabalhos online buscando renda extra, mas enfrentam jornadas exaustivas e baixa remuneração. A precariedade do trabalho, associada à desigualdade de gênero, impacta a economia e exige regulamentação.
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